No Brasil, 32% dos pacientes em diálise têm diabetes como causa primária da insuficiência renal; excesso de glicose no sangue pode danificar os rins
O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é a principal causa de doença renal crônica (DRC) no mundo, sendo responsável por aproximadamente 50% dos novos casos de terapia renal substitutiva em países desenvolvidos. Para se ter uma ideia, no Brasil, 32% dos pacientes em diálise têm diabetes como causa primária da insuficiência renal.
Dentro desse contexto, a doença renal diabética (DRD), uma das principais complicações do diabetes, afeta aproximadamente 40% das pessoas com a condição, e sua prevalência continua a crescer proporcionalmente ao aumento dos casos de DM2. A DRD, em estágio avançado, continua sendo a principal causa de doença renal terminal (DRT).
Isso ocorre porque, com o tempo, o excesso de glicose no sangue pode danificar estruturas fundamentais de diversos órgãos, especialmente os rins. Esses órgãos filtram o sangue por meio de milhões de pequenas unidades chamadas glomérulos, formadas por delicados vasos sanguíneos. Por consequência, a hiperglicemia crônica pode comprometer esse sistema de filtragem, provocando perda de proteínas pela urina e redução progressiva da função renal. Sem controle adequado, o diabetes pode levar a lesões irreversíveis, exigindo tratamentos como diálise ou até mesmo transplante.
Um caso que ilustra a progressão silenciosa da doença renal é o relato de Wellington Pedroso, paciente diagnosticado com diabetes tipo 2 desde 1989, mas que só teve a descoberta da DRC cerca de 20 anos depois. “Percebi que a urina estava espumando demais, mas como não sentia dor, não imaginei que fosse algo grave. Foi por meio de exames de sangue e urina que descobri que meus rins já estavam bastante comprometidos. Nunca ninguém havia me alertado que o diabetes podia afetar os rins”, relata. Ao longo de duas décadas, o acompanhamento era focado apenas no controle glicêmico, sem investigação da função renal: “eu levava uma vida muito sedentária, e não tinha orientação sobre os hábitos alimentares.”
Após o diagnóstico, ele adotou mudanças importantes na rotina. “Hoje sigo uma dieta rigorosa, com pouco sal e proteína animal reduzida. Ainda não precisei iniciar hemodiálise e estou me esforçando para continuar assim. O mais importante é ter um profissional de confiança que oriente com clareza, explique os riscos e ajude a tomar as decisões certas. Faço o tratamento, sigo as recomendações e não abuso da alimentação. A informação faz toda a diferença.”
Para o nefrologista Thyago Proença, casos como o de Wellington reforçam a urgência de um acompanhamento contínuo e preventivo em pessoas com diabetes tipo 2. “Pacientes com diabetes tipo 2 devem ser acompanhados de forma sistemática para avaliação da função renal. A detecção precoce da doença renal crônica permite intervenções que podem retardar ou até evitar a progressão para estágios mais avançados”, destaca o especialista.
Por esta razão, o diagnóstico precoce é fundamental, uma vez que a prevenção da doença renal crônica em pessoas com diabetes tipo 2 se fortalece com a adoção de hábitos saudáveis e a manutenção do tratamento ao longo do tempo. Segundo a International Diabetes Federation (IDF), até 50% dos casos de DM2 poderiam ser evitados por meio de alimentação equilibrada, prática regular de atividade física e abandono do tabagismo.
Ainda assim, cerca de 240 milhões de pessoas vivem com diabetes não diagnosticado em todo o mundo, e a previsão é de que, até 2030, esse número evolua para 643 milhões de pacientes com a doença. A falta do diagnóstico, a interrupção da medicação, muitas vezes motivada por melhora aparente, desinformação ou dificuldades de acesso, contribui para a progressão silenciosa da DRC. Por isso, é essencial que pacientes e profissionais de saúde reforcem juntos a importância da constância no cuidado, pois prevenir a DRC é possível, e começa com o controle efetivo do diabetes.
Recomenda-se que todos os pacientes com diabetes tipo 2 realizem, já no momento do diagnóstico, dois exames complementares: a dosagem da creatinina sérica, para cálculo da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe), e a razão albumina/creatinina (RAC), obtida a partir de uma amostra de urina. Quando utilizados em conjunto, esses testes permitem identificar os estágios iniciais da lesão renal, mesmo antes do aparecimento de sintomas. No entanto, estudos mostram que a prática clínica ainda apresenta lacunas: dados do estudo Impact-CKD, apoiado pela AstraZeneca, revelam que parte dos exames de creatinina não são acompanhados pela análise de urina, o que compromete a detecção precoce da doença e adia o início de intervenções que poderiam evitar a progressão para insuficiência renal.
Fonte: Estado de Minas