Em um levantamento inédito feito pela Fundação Pró-Rim junto ao site do Conselho Federal de Medicina (CFM), foi observado que o Brasil ainda enfrenta um paradoxo de acesso que coloca em risco milhões de vidas. O país conta com um total de 10.133 nefrologistas ativos, que deveriam ser a linha de frente no combate à Doença Renal Crônica (DRC), uma condição silenciosa que atinge mais de 21 milhões de brasileiros (estimativa baseada em 10% da população atual do IBGE, de 212,6 milhões de habitantes).
No entanto, o ‘Raio-X da Nefrologia’ produzido pela Fundação Pró-Rim revela que o problema não é o número total de especialistas, mas sim a distribuição.
A disparidade é brutal: a região Sudeste é o polo absoluto, concentrando cerca de 71% (7.190) dos profissionais. Essa concentração extrema anula a média nacional de 4,77 nefrologistas por 100 mil habitantes, criando um vazio assistencial que penaliza milhões.
O resultado é que, enquanto o Sudeste tem acesso privilegiado, a região Norte opera na carência mais crítica, com uma concentração de especialistas até 26 vezes menor que a do polo mais concentrador do país, refletindo diretamente na desigualdade de acesso.
O dado mais impactante é a diferença entre os extremos: o Sudeste concentra quase 71% de todos os especialistas, enquanto a Região Norte detém menos de 3% (apenas 272 profissionais) para uma população de mais de 18 milhões de habitantes.

A média nacional de médicos nefrologistas no Brasil, de 4,77 nefrologistas por 100 mil habitantes foi calculada dividindo o total de 10.133 nefrologistas ativos (dados obtidos no portal do CFM em 18/11/2025) pela população total estimada (cerca de 212,6 milhões de habitantes. Logo, tem o papel de ser a linha de base que serve para medir o vazio assistencial em diversas regiões.
Risco de vida e a barreira do acesso
O nefrologista Amadeu Giannasi explica que a ausência de um especialista não é somente uma falha estatística; é um fator que aumenta a mortalidade e o custo para o Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda conforme o médico, nas regiões com menor concentração, como o Norte e o Nordeste, a população enfrenta barreiras críticas, sendo elas:
1 – Diagnóstico tardiamente fatal: sem nefrologistas suficientes na atenção primária e secundária, o paciente com hipertensão ou diabetes (principais causas da DRC) não é rastreado. Ele só acessa o sistema de saúde quando a doença avança para a insuficiência renal terminal, manifestada por crises de urgência (como edema pulmonar ou necessidade de diálise imediata).
2 – Progressão acelerada da doença: a falta de acompanhamento especializado impede o controle rigoroso dos fatores de risco, acelerando a perda da função renal. Na prática, a vida útil dos rins do paciente na região Norte é encurtada pela dificuldade em conseguir agendamentos regulares.
3 – Colapso financeiro do SUS: o tratamento de diálise em estágio avançado é um dos mais onerosos para o SUS. Para se ter uma ideia, de acordo com dados do Fundo Nacional de Saúde (FNS), entre 2019 e 2024 foram gastos mais de R$22 bilhões (R$22.712.240.949,59). Ao negligenciar o investimento na distribuição de especialistas para a prevenção de baixo custo, o sistema é forçado a arcar com o tratamento de altíssima complexidade e urgência.
Estados na faixa de carência crítica (concentração abaixo de 1,50/100k hab), como Amapá e Amazonas, são emblemas desta crise, onde o acesso é praticamente inviável e o tratamento é, na maioria das vezes, uma corrida contra o tempo.
Déficit de especialistas
No estudo produzido pela Fundação Pró-Rim, foi observado que a região Sudeste é o polo absoluto da Nefrologia, com uma taxa de 8,19 especialistas por 100 mil habitantes, a região está muito acima da média nacional, que é de 4,77 nefrologistas por 100 mil habitantes.
Também observou-se que o déficit de especialistas resulta em uma sobrecarga crítica para os poucos profissionais que atuam nessas áreas. Na região Norte, por exemplo, cada nefrologista é, teoricamente, responsável por cerca de 7.000 pacientes com DRC. Essa carga de trabalho é quase seis vezes maior do que a enfrentada pelos médicos nefrologistas no Sudeste (1.219 casos) e três vezes maior que a média nacional.
Já na região Nordeste, a sobrecarga também é severa, com 4.970 casos estimados por nefrologista, mais do que o dobro da média do país.
O próprio estado do Tocantins, que possui uma taxa de 1,61 nefrologistas por 100 mil habitantes (ligeiramente melhor que a média da região Norte de 1,44), ainda enfrenta uma carga de trabalho estimada de 6.194 casos de DRC por especialista.
Embora o Tocantins se destaque positivamente dentro de sua região, este número de sobrecarga é um alerta, mostrando que o atendimento especializado está sob intensa pressão, dificultando a melhoria dos indicadores de saúde renal.
No Tocantins, cada nefrologista é responsável por uma demanda estimada de 6.194 casos de Doença Renal Crônica (DRC), um número que representa uma sobrecarga de trabalho quase três vezes maior do que a média nacional (2.097 casos por especialista).
Essa pressão extrema dificulta a melhoria dos indicadores de saúde renal ao limitar o tempo do especialista para realizar o diagnóstico precoce, o acompanhamento preventivo da DRC e minimizar o risco de que os pacientes avancem para o estágio terminal (diálise).
“O raio-X da Nefrologia demonstra haver oportunidade de atuação médica na área da Nefrologia. Hoje, é preciso formar novos especialistas para garantir que as regiões Norte e Nordeste alcancem a média nacional de concentração. É assim que vamos evitar que milhões de brasileiros percam seus rins e tenham suas vidas encurtadas por uma doença que, se diagnosticada a tempo, pode ser controlada”, explicou o médico Amadeu Giannasi.
Mapa de oportunidades
Ao mesmo tempo que o levantamento demonstra o vazio assistencial provocado pela concentração de nefrologistas nas regiões polo, ele também evidencia a imensa oportunidade profissional existente no Brasil.
Segundo a diretora clínica da Fundação Pró-Rim, Marina Abritta Hanauer, o investimento na Nefrologia é crucial para gerar condições reais para o tratamento e reverter o quadro de carência. O déficit absoluto (o número de nefrologistas que as regiões precisam para atingir a média nacional) é o termômetro dessa necessidade. Para ela, a disparidade regional não é apenas um problema de distribuição, mas uma barreira que impede a saúde preventiva.
“Reconhecemos que o déficit absoluto é um chamado à atuação. Infelizmente, esse déficit de profissionais impede, inclusive, que se crie uma linha de cuidado do paciente renal crônico desde o diagnóstico até a evolução para doença renal com necessidade de hemodiálise. Seria um diferencial muito importante ter acesso ao atendimento nefrológico de forma preventiva e não tardiamente, quando a doença está muito avançada”, alerta Marina.
Ainda conforme a diretora clínica, estados e cidades que investem em programas de atenção primária direcionados ao controle de hipertensão e diabetes demonstram (principais causas da DRC) que a atuação na base é o investimento mais inteligente e humano para reduzir a sobrecarga dos centros de diálise e o custo do tratamento.
“Quando há política pública de prevenção, com diagnóstico mais precoce, é possível postergar a doença renal e muitas vezes até tratar em tempo, impedindo de evoluir para uma doença renal terminal”, frisou a médica.
Especialização em Nefrologia
Atualmente, a Fundação Pró-Rim é uma das instituições brasileiras que atua na formação de nefrologistas, oferecendo a especialização em Nefrologia e após o curso, o médico passa pela prova de título da Sociedade Brasileira de Nefrologia.
“Temos um compromisso em salvar vidas. Por isso, atuamos para garantir o acesso justo ao tratamento especializado da saúde renal. Fazemos isso investindo na qualificação de profissionais. Ampliando, cada vez mais, o número de vagas que ofertamos”, pontuou o presidente da Fundação Pró-Rim, Maycon Truppel Machado”, que completou:
“Nosso desejo é ir além do tratamento e atuar na prevenção, ainda na atenção primária. Com esse olhar de especialistas na prevenção, com toda segurança, iremos reduzir o número de pessoas submetidas à diálise e muitas vezes, à morte prematura. A saúde renal no Brasil exige uma intervenção imediata e focada na descentralização dos seus especialistas”, garantiu.
Fonte: Medicina S/A


