Sabesp diz não ter um plano especial para abastecer clínicas que atendem SUS. Mesmo com chuva acima da média, crise ainda é “gravíssima”.
Simone Borges da Silva, 32, chegou a uma clínica de hemodiálise em Itaquera, zona leste de São Paulo, por volta das 10h40. “Eu estava com dois quilos e meio de líquido retido para drenar”, explica a jovem, que perdeu a função dos rins por problemas urinários não tratados durante a infância. A sessão de filtragem do sangue que costuma durar quatro horas, no entanto, foi finalizada em sessenta minutos. “'Estamos sem água, me disseram”.
Para quem não tem a função plena dos rins, a hemodiálise é questão de vida ou morte: a alta concentração no corpo de água, sal e substâncias que deveriam ser excretadas com a urina pode provocar uma insuficiência cardíaca aguda. Um dia após a visita à clínica, Silva começou a se sentir mal: “Eu vim pra casa com medo. Acordei bastante inchada, e aí meu coração ficou acelerado, tive falta de ar e não consegui me movimentar muito. Tive que ficar deitada”.
A situação de Silva se repete pelas clínicas de todo o Estado. De acordo com dados da Sociedade de Nefrologia do Estado de São Paulo (Sonesp), apenas no município de São Paulo 15.000 pacientes dependem de diálise, e no Estado inteiro o número chega a 35.000. Na capital o serviço é oferecido em 51 unidades nefrológicas, sendo que grande parte delas atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). “Só para o processo de diálise se gasta em torno de 250 litros por paciente. Se você imaginar que um paciente faz três sessões por semana, ele gasta 750 litros por semana", explica Rui Barata, 70, médico nefrologista e diretor da Sonesp. "Isso sem contar as outras demandas das clínicas, para esterilização de equipamentos, por exemplo”.
A entidade tentou, em vão, estabelecer um canal de diálogo com a fornecedora de água. “Uns trinta dias atrás pedimos uma audiência com o presidente da Sabesp para formular uma estratégia de contingência", afirma Barata, que diz ter enviado uma relação de todas as unidades de diálise do Estado. "Mas até o momento não recebemos resposta alguma deles, nem fomos informados sobre a existência de um plano emergencial para atender a nossa demanda. Assim como os hospitais, as unidades de diálise não podem ter cortes de água”, afirma Barata. Segundo ele, a maioria das clínicas tem recorrido a caminhões pipa e outras fontes externas de água.
Mas mesmo assim a escassez assombra as unidades. Na Clínica Medicina Interna Nefrologia, na Barra Funda, zona oeste da cidade, a falta de água prejudicou a diálise de 30 pacientes. Médicos da unidade registraram um boletim de ocorrência na delegacia contra a Sabesp por ter sonegado as informações que permitiriam o funcionamento adequado da unidade. “Ficamos dois dias sem abastecimento adequado de água e em contato com eles, que disseram o tempo todo que o fornecimento jamais seria suspenso, que era apenas uma redução do fluxo”, diz Maria Eugenia Canziani médica nefrologista da clínica. Na terça-feira (24) não houve fornecimento de água durante a madrugada, e os pacientes do turno da manhã fizeram diálise por três horas ao invés de quatro.
Canziani afirma que o registro do boletim de ocorrência, ainda que simbólico, deixa claro que “não é possível ser conivente em dar aos pacientes uma diálise inadequada. E isso foi impingido a nós por uma má informação da Sabesp. Quisemos nos organizar para lidar com a crise hídrica, mas a companhia não fornece as informações necessárias”.
Um diretor de clínica da zona leste enviou mensagem para a Sonesp afirmando que sua unidade recebe água “apenas das 8h às 16h”, e que tem tido “problemas para a lavagem das fistulas [acessos no corpo para a conexão com as máquinas de diálise] dos pacientes”.
“A situação nos preocupa devido à fragilidade da vida dos pacientes que dependem da diálise. E o pior é não saber se as autoridades estão tomando alguma providência”, diz Barata. Em nota, a Sabesp informou que “escolas, hospitais e penitenciárias sempre terão atendimento prioritário”, e que “em relação a clínicas particulares, a companhia ressalta a importância desses locais terem caixas de água adequadas ao seu consumo diário”.
O médico nefrologista Waldir Falani, diretor da Clínica Nefrológica de São Miguel Paulista, na zona leste da capital, afirmou que no início do mês o atendimento na unidade foi prejudicado pela falta de água: “Nós havíamos solicitado para a Sabesp um caminhão pipa para abastecer nossa caixa, mas eles não entregaram. Os pacientes que iriam fazer diálise pela manhã ficaram menos tempo na máquina”.
Para resolver o problema, Falani comprou mais uma caixa d’água de 30.000 litros para enfrentar os períodos sem água, e diz que continua recorrendo aos caminhões pipa.
Cerca de 95% dos pacientes da clínica administrada por ele são do SUS, mas para o médico essa não é uma questão relevante: “Eu acho que mesmo as clínicas que só atendem pacientes particulares precisam de uma atenção especial. Não importa se é particular ou SUS. É uma casa de saúde, se o paciente não fizer a diálise pode morrer”.
Fonte: El País – 02/03/2015