Crise no estado deixa transplantados sem acesso a remédios contra rejeição de rins

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Pacientes denunciam falta de medicamentos em farmácias especiais do estado
RIO – Aos 12 anos, Anderson Portela de Castro adoeceu gravemente e precisou passar por um transplante renal. O novo órgão o mantém, há quase 30 anos, livre da hemodiálise. Mas, desde agosto do ano passado, o motorista de ônibus não tem conseguido retirar um remédio que evita a rejeição na Rio Farmes, a farmácia de medicamentos especiais do governo do estado. Sem a azatioprina, ele teme se tornar dependente de uma máquina para filtrar o seu sangue. A unidade também não tem em estoque outra medicação imunossupressora, o micofenolato de mofetila.
– Desde que fiz o transplante, faço uso da azatioprina. Mas não consigo o remédio na Rio Farmes desde agosto do ano passado. É sempre a mesma resposta: não tem e não há previsão para chegar. Tenho comprado o medicamento na Farmácia Popular e gasto R$ 85. Mas quando falta até lá, como aconteceu em novembro e dezembro, pago cerca de R$ 155 a caixa com 50 comprimidos. Nesse caso, são duas caixas, R$ 310. É muito pesado, mas, se ficar sem esse medicamento, é como colocar uma arma na cabeça e puxar o gatilho, vou perder o meu rim e depender de hemodiálise – diz Anderson, que recebe ajuda da família para comprar o remédio.
A pequena Júlia, de 3 anos e 7 meses, também depende da azatioprina. Mas, no caso dela, é para evitar um transplante. A menina teve uma infecção viral grave no fígado e quase precisou receber um novo órgão. Os médicos conseguiram evitar, mas a menina desenvolveu uma hepatite autoimune.
– A azatioprina controla as enzimas do fígado. Mas, desde o final do ano passado, esse remédio está em falta na Rio Farmes. Comprei na Farmácia Popular por cerca de R$ 60 a caixa e tenho um estoque para cerca de dois meses – conta a mãe, a assistente financeira Antônia dos Anjos Mendes, de 41 anos, que luta com dificuldades para não deixar nada faltar ao tratamento da filha.
Antônia, que mora no Cachambi, não gosta nem de pensar na possibilidade de a menina ter que passar por um transplante:
– A cada negativa que recebo na Rio Farmes, me sinto impotente. É tanto dinheiro sendo desviado e eles (políticos) ainda vêm dizer que estão pensando nos outros, mas não estão. Vejo que minha filha e outras crianças que precisam desses remédios para viver não têm o mínimo respeito do Estado para continuarem o caminho delas. Para viver, crescer, estudar. Estamos vivendo um momento de falta de humanidade. Me sinto traída, triste, descrente, desapontada. Eu, graças a Deus, tenho família e amigos que me ajudam. E quem não tem ninguém? Parece que as pessoas precisam que todo esse problema de corrupção chegue nelas para então se importarem. Porque quando você passa por esses problemas não dá para simplesmente desligar a televisão e dizer “não tenho nada com isso”.
A mãe de Pedro Henrique, um lindo menino de 14 anos, conta que o segundo transplante do filho foi há um ano, cinco meses e 23 dias.
– O organismo dele rejeitou o primeiro fígado. Não gosto nem de lembrar. Quatro meses depois, ele passou pelo segundo transplante. Cada dia é uma vitória – relembra Antônia Rodrigues Martins, de 44 anos, que está sem receber dois remédios fundamentais para manter a criança viva. – A mesalazina está em falta há muito tempo. Depois, começou a faltar também a azatioprina.
A família, que mora em São Gonçalo, se desdobra para comprar os remédios. Antônia precisou largar as faxinas para cuidar de Pedro Henrique.
– O pai de Pedro trabalha muito para conseguir comprar os remédios, nossa prioridade. Por mês, são duas caixas de azatioprina e cada uma custa cerca de R$ 150, além de quatro caixas de mesalazina, que custa R$ 45 – diz Antônia, acrescentando que o marido trabalha como frentista
Assim como Júlia, Pedro Henrique foi atendido no Hospital Estadual da Criança, em Vila Valqueire. A unidade, onde o menino foi submetido aos dois transplantes, é administrada, desde 2013, pelo Instituto D’Or de Gestão de Saúde Pública, um braço da Rede D’Or São Luiz.
Presidente da Associação de Movimentos dos Renais Vivos e Transplantados do Rio (Amorvit-RJ), Roque da Silva, diz que tem conseguido doações de remédios para ajudar pacientes que estão sem receber remédios:
– Temos 8 mil pacientes na associação e verificamos que estão faltando três medicamentos na Rio Farmes, o micofenolato de mofetila, o micofenolato de sódio e a azatioprina. Tenho pouco remédio em estoque. A partir do mês que vem, não sei como será. Desse jeito, do que adianta transplantar se mais tarde vamos voltar para máquina de hemodiálise? – questiona Roque, que também é transplantado e não está conseguindo o remédio micofenolato de sódio. – Recebi quatro caixas doadas por uma família que o paciente foi a óbito.
A Superintendência de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos da Secretaria estadual de Saúde informou que os medicamentos azatioprina e micofenolato de mofetila estão em processo de compra. Quanto ao micofenolato de sódio, a pasta afirmou que ainda está verificando.
Fonte: O Globo – http://oglobo.globo.com – 12/04/2017