“Solução” para diálise, transplantes de rins têm pior índice no DF desde 2011

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Profissionais relatam fechamento de leitos de UTI e baixo nº de especialistas.
Nem 50% de quem precisava do órgão passou por procedimento em 2015.


Única alternativa para pacientes crônicos em hemodiálise, os transplantes de rins atingiram no ano passado o pior índice no Distrito Federal desde 2011. Nem metade das pessoas que necessitavam de um novo órgão conseguiu passar pelo procedimento (só 84 de 171), e nove acabaram morrendo na espera. Profissionais relatam que o desabastecimento de insumos hospitalares, o fechamento de leitos de UTI e o baixo número de equipes especializadas – há apenas três – influenciam no trabalho.
Em nota, a Secretaria de Saúde disse ter enfrentado problemas. “No ano passado, a rede enfrentou dificuldades relacionadas ao suporte necessário para esse tipo de procedimento. Neste ano, com o esforço desta gestão, os problemas foram sanados, e o DF mais que triplicou o número de transplantes de rim. No primeiro trimestre de 2015 foram realizados apenas nove transplantes.”
Médicos afirmam que o cenário não mudou em 2016. Presidente regional da Sociedade Brasileira de Nefrologia, Marcelo Pereira Ledônio afirma que o Hospital de Base precisou frear os procedimentos no início de abril porque não havia kits para dosar as quantidades das medicações necessárias aos pacientes durante as cirurgias. Os tranplantes feitos no período só aconteceram porque familiares decidiram comprar os produtos por fora.
“Já tivemos problemas com hemocultura também. Não tem como fazer o procedimento sem a garantia de que isso vai fazer bem para o paciente”, explica o médico. “Se a gente está em condições normais, a gente pode fazer em média quatro transplantes renais em uma semana. Mas aí tem a questão também de ter leito para o paciente. Depende de toda uma estrutura.”
Ao longo de 2015, o Base fez apenas 26 transplantes renais, sendo três com doador vivo. O hospital é o único coordenado pela Secretaria de Saúde entre os três credenciados pelo governo federal para realizar o procedimento. As outras unidades são o Instituto de Cardiologia e o Hospital Universitário de Brasília.
Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos apontam que 75% das pessoas que atualmente estão na fila por transplante no DF precisam justamente de um rim novo. A coordenadora de Nefrologia, Karime Veiga, disse não ser possível saber o tempo que um paciente aguarda pela cirurgia, por causa do tipo sanguíneo.
Para o presidente da Associação de Renais Crônicos de Brasília (Arebra), Alessandro Lemos, faltam políticas públicas para estimular o transplante de órgãos. Ele defende que o governo invista nas cirurgias até mesmo para reduzir os gastos com hemodiálise em clínicas privadas e as filas por vagas para o tratamento. Das 1.067 pessoas em terapia renal atualmente, 864 estão em instituições particulares.
“O governo não se programa e não dá assistência para que a gente possa fazer em São Paulo, de pensar em ajuda de custo, algo assim. Lá se faz três transplantes de rins por dia. As chances são bem maiores [de vida]. Hoje o governo só está dificultando. A verdade é que muitos pacientes vão morrer na máquina [de hemodiálise] porque não vão nem chegar à fila”, afirma.
O problema também é relatado por quem quer se cadastrar para o procedimento. A feirante Maria Zélia Gonçalves de Sousa, de 40 anos, conta lutar contra burocracia para apresentar a documentação necessária para entrar na fila para o transplante. Por ter lúpus, faz hemodiálise há 21 anos. Ela diz que sente dificuldades para se movimentar e até para fazer as sessões da terapia renal precisa do transporte do governo.
“Sou paciente do SUS e dependo da hemodiálise. A gente tem visto as clínicas fechando [por causa de dívidas do governo] e a qualquer momento pode chegar lá também”, afirma a mulher, que mora na Estrutural e é paciente de uma clínica de Taguatinga, a dez quilômetros de distância. “Espero conseguir o transplante.”
Moradora do Itapoã, a dona de casa Maria Edivânia Prado Silva, de 40 anos, também faz hemodiálise há duas décadas. Ela descobriu sofrer de insuficência renal no final da gravidez e, em 2000, chegou a ser submetida a um transplante. O órgão foi, porém, rejeitado pelo organismo da mulher, que tenta novamente uma vaga para a cirurgia.
“O tratamento está meio difícil, está devagar. É muito paciente e pouca máquina. Para a gente também é difícil por causa da distância [ela faz as sessões em Samambaia, a quase 45 quilômetros]. A gente já chegou aqui, mas teve de entrar atrasado, uma hora e meia, porque a máquina estava ocupada. Tem que esperar três horas depois do fim da sessão para poder ir para casa, pelo motorista”, conta.
Maria Edivânia diz ver no transplante a oportunidade de parar de sofrer com o “terrorismo” de fechamento das clínicas. “Eu fazia [hemodiálise] na Clínica de Doenas Renais de Brasília, na W3 Sul, aí fechou porque SUS não pagava. Disseram que em Samambaia era provisório, mas desde janeiro a gente já está aqui. Eles não falam, mas a gente ouve comentário falando que vai fechar. A gente fica com medo, né, porque se fechar mesmo, a gente vai para onde, vai fazer o quê? E está assim aqui e em todo lugar, tudo cheio, sem vaga.”
Vida pós-transplante
Especialistas apontam que um terço dos pacientes morre, perde o rim ou volta para diálise depois da cirurgia. Outro terço costuma ter complicações com alguma frequência e por isso passa pela terapia de tempos em tempos. O restante tem sucesso com o procedimento e pode abandonar a hemodiálise, mas precisa seguir em acompanhamento com médicos e tomar imunossupressores.
Atualmente o DF tem 304 adultos na fila por transplante de órgãos. Dessas, 230 precisam de um novo rim – 75%. Entre as crianças, 4 das 13 que aguardam o procedimento também aguardam o órgão. A capital do país chegou a ser líder no procedimento entre outras unidades da federação em 2014.
Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos apontam que só 28% dos 289 potenciais doadores chegaram a ter os órgãos extraídos no DF no ano passado. Só 139 famílias foram abordadas, e 48 recusaram o procedimento.
Fonte: G1 – 09/06/2016