
Na sala de espera do Hospital São Francisco de Assis, no Bairro Concórdia, Região Nordeste de Belo Horizonte, o tempo parecia se arrastar. Três vezes por semana, às terças, quintas-feiras e sábados, enquanto aguardavam os maridos e um filho em sessões de hemodiálise, um grupo de mulheres preenchia as horas entre conversas, silêncios e cochilos. Foi nesse cenário que Maria Eulália Perdigão Faleiro, de 71 anos, decidiu quebrar a monotonia e resgatar uma tradição quase esquecida: o bordado.
“Parece que eu já nasci com o dom artístico”, disse Eulália, com a firmeza de quem sempre teve as mãos inquietas. Seu talento sempre esteve na pintura em tecido, modalidade que lecionou em uma organização não governamental (ONG) em Lagoa Santa, na Grande BH, onde vive atualmente. Uma de suas alunas, inclusive, se tornou artista. Mas ali, na recepção do hospital, não havia pincéis nem tintas.
Acompanhante do marido Sebastião Faleiro nas sessões de hemodiálise, desde agosto de 2023, lhe restavam apenas as horas vagas e a vontade de criar algo. “Aqui ficamos quatro horas sem fazer nada. Sentamos, esperamos o tempo passar e até cochilamos. Isso fica cansativo. Então, pensei: ‘por que não fazer alguma coisa?'”, conta. Foi assim que surgiu a ideia de (re)começar a bordar.
Por muito tempo ela pensou sobre o que poderia ensinar. Então, recordou-se do “bordado da vovó”, também chamado de ponto haste, um dos mais antigos e simples, usado para contorno, letras e preenchimento. O fio da memória a levou de volta à escola em que estudava, na Região do Barreiro, em BH, onde, ainda jovem, na transição para o “ginásio” – antigas 5ª a 8ª séries do ensino fundamental – aprendeu os três pontos principais: haste, corrente e atrás.
“Eles ficaram na minha mente, junto com a receita de cocada branca que também aprendi lá”, ela brinca. Mas, naquela época, o ofício não a cativava.
A paixão viria anos depois, quando, assistindo a um programa de televisão, viu alguém transformando linha e tecido. “Aquilo ficou gravado na minha cabeça e despertou minha vontade de voltar. Eu tinha um tecido abandonado em casa e resolvi bordá-lo”, relata a artesã.
O trabalho logo se transformou num jardim florido, com desenho de várias flores coloridas pelo pano, antes liso e bege. Maria Eulália diz que, o plano agora é fazer dele uma cortina para seu quarto.
“Depois disso, comecei a acompanhar bordadeiras na internet para aprimorar as técnicas”, afirma. Ativa, ela agora mantém o canal do YouTube “Artesanato e Plantas da Vovó Eulália”, onde mostra sua habilidade para artes manuais, a pintura, o bordado e as plantas.
Ateliê de sonhos
Ao levar a prática para o hospital, dona Eulália viu o interesse das outras mulheres pela arte crescer. Uma a uma, foram pegando nas linhas, experimentando, errando e acertando. “Tem uma história de que as avós deixaram de bordar porque, quando a pessoa vira o tecido, vê os nós. Achavam feio, e isso fez muita gente desistir. Eu quero resgatar essa tradição”, explica. Algumas alunas já se aventuram por técnicas mais avançadas, aprimorando cada vez mais os pontos.
Enquanto Eulália exibia sua arte, as companheiras a observavam com atenção, trazendo suas próprias criações para que a professora avaliasse. Com carinho e atenção, ela atendia cada uma, enquanto tecia elogios às alunas. Os funcionários do hospital também já se acostumaram com a rotina e, vez ou outra, aparecem para admirar os bordados.
Maria do Carmo Araújo – a Tia Du; Ruth Ramos; Sônia Silva; Erlinda Silva e Odaísa Amaral compõem parte da turma. Em suas cadeiras na recepção, o grupo discute os pontos, os desenhos, as histórias do dia a dia e fazem planos com a nova habilidade.
Outras como Ruth e Sônia alimentam a ideia do empreendimento e sonham em transformar o bordado em uma fonte de renda. Já a novata Ana Pereira, nunca tinha bordado até a primeira aula com dona Eulália. “Tem quase um ano que venho aqui, e recentemente fiquei curiosa. Comecei a chegar mais perto, perguntar e olhar o que estavam fazendo. Achei muito lindo. Não sei bordar, mas nunca é tarde para aprender”, acredita.
Fonte: Estado de Minas