No Brasil, cerca de 155 mil pessoas são portadoras de doença renal crônica. Seus rins pararam de funcionar e hoje elas sobrevivem graças à terapia chamada diálise, quando uma máquina faz uma das principais funções dos rins: filtrar e eliminar substâncias em excesso prejudiciais ao organismo. A Diálise Peritoneal (DP) é uma modalidade de tratamento que pode ser feita por alguns pacientes renais em casa, mas enfrenta muitos obstáculos para ser oferecida e apenas 5% deles realizam a terapia no país
Uma das vozes mais conhecidas do Brasil, o apresentador e jornalista Cid Moreira, faleceu nesta quinta-feira (03/10). Ele teve pneumonia e travava uma doença renal em estágio avançado, quando os rins param de funcionar. Depois de passar pela máquina de hemodiálise, Cid começou a fazer o tratamento que lhe garantia a vida, em casa. Trata-se da Diálise Peritoneal (DP), uma modalidade alternativa à hemodiálise tradicional, realizada em clínicas, mas ainda pouco acessível no Brasil. Apenas 6% dos renais crônicos conseguem tratar-se por meio dela.
O presidente da Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplantes (ABCDT), o médico nefrologista Yussif Ali Mere Júnior, esclarece que a diálise peritoneal não é indicada para todos os renais crônicos e depende da condição de saúde de cada paciente. Há muitos casos em que a Peritoneal não funcionaria e a hemodiálise tradicional seria a melhor opção de tratamento. E a realidade é que a DP no Brasil passa por diversos desafios para ser ampliada. Atualmente precisamos construir melhores condições para ampliar a oferta de DP. Portanto é algo que merece ser discutido e planejado”, explica.
Apenas 5% dos pacientes renais crônicos do SUS conseguem ter acesso à Diálise Peritoneal. Esse percentual sobe um pouco quando falamos de quem possui plano de saúde e chega a 9%. No restante do mundo, a Diálise Peritoneal costuma representar pelo menos 12% de todo tratamento ofertado. A maioria dos pacientes renais no país recebe a hemodiálise (94%), que é quando a filtragem das toxinas acontece através do sangue, por meio de uma máquina. Neste caso, o paciente precisa ir à clínica de três a cinco vezes por semana para realizar o tratamento.
Quando a DP pode ser feita pelo paciente em casa, há, em alguns casos, vantagens como mais autonomia, não precisar se deslocar para as clínicas toda semana, pode ter maior bem-estar, podendo ingerir alimentos que na hemodiálise tradicional não pode. Mas para haver aumento da DP, existe uma série de medidas a serem tomadas”, esclarece.
Principais desafios para aumentar a diálise peritoneal no Brasil:
1. Treinar mais nefrologistas adulto e pediátricos e enfermeiros em diálise peritoneal.
2. Criar centros de referência em implantes de cateter de diálise peritoneal com profissionais treinados para o implante e intervenções de complicações, evitando a saída precoce da modalidade.
3. Aumentar recursos para as clínicas de diálise poderem tratar os pacientes da DP. Hoje as clínicas recebem R$358,00 para estrutura de tratamento pelo SUS e com esse valor não se consegue pagar todos os custos envolvidos, além dos impostos. Está inviável.
4. Acabar com a bitributação. Hoje as clínicas pagam tributos pela compra de materiais de tratamento, como as bolsas de diálise.
5. Incluir no Brasil as novas tecnologias desta modalidade. Existem soluções inovadoras de diálise há mais de 15 anos na América do Norte e Europa, que os pacientes no Brasil não têm acesso por falta de incentivo econômico. Assim como as máquinas de diálise peritoneal automatizadas também são muito mais modernas e os pacientes não têm acesso pelo SUS.
“As clínicas de diálise podem ampliar o tratamento do paciente desde o período conservador, em consultório, até as diferentes modalidades de substituição dos rins, como diálise e transplante. Mas necessitamos de apoio, participação no debate técnico e incentivo econômico para juntos melhorarmos ainda mais o cuidado do paciente renal”, enfatiza o representante da ABCDT.
Além disso, muitas pessoas ainda perdem quase todo o dia para se deslocarem de suas residências, em cidades menores, para conseguirem chegar nas capitais e cidades maiores, onde estão as clínicas de diálise.
“E esta distância é algo difícil de resolver, porque hoje nenhuma clínica se sustenta com menos de 250 a 300 pacientes, devido ao valor que recebem pelos tratamentos. Então ninguém abre clínica em cidade pequena. A peritoneal poderia ser uma alternativa a ser considerada para quem mora longe. E num contexto de pandemia, em que o renal crônico é grupo de risco para agravamento pela Covid-19, fazer o tratamento em casa seria mais seguro e mais confortável. Mas o Brasil segue na contramão. Temos ainda a dificuldade logística para entrega de insumos para essas pessoas”, diz.
“No cenário atual, o importante que os pacientes entendam que hoje os centros de diálise, através dos seus profissionais, são os melhores locais para tratamento, com o conhecimento técnico para ajudar o paciente a seguir um tratamento diferenciado, buscando qualidade de vida e os melhores resultados”, finaliza.
Saiba mais como é o funcionamento da Diálise Peritoneal
Na Diálise Peritoneal, uma parte do peritônio, membrana extremamente fina que recobre as paredes do abdômen e a superfície dos órgãos digestivos, como intestinos e fígado, é utilizada como dialisador. A água e os solutos passam do sangue para o lado do dialisado através dessa membrana. Cerca de dois litros do fluido de diálise são lentamente infundidos para o interior da cavidade abdominal através de um tubo de silicone flexível, chamado de cateter de Tenckhoff.
E existem duas formas de se realizar a diálise peritoneal: manualmente, chamada de Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua (DPAC); ou automaticamente, a Diálise Peritoneal Automatizada. São as patologias, o estilo de vida e as preferências pessoais que determinam a escolha entre as duas opções. Os médicos nefrologistas e enfermeiros de DP indicam a melhor modalidade de tratamento para cada paciente.
Na DPAC, a maioria das trocas ocorre durante o dia. Habitualmente, realizam-se de quatro a cinco trocas por dia. O médico prescreve o número de trocas que serão necessárias por dia para proporcionar um tratamento de diálise adequado. Cada troca demora entre 20 e 30 minutos. Os tempos de troca podem variar ligeiramente para se ajustarem ao horário do paciente, sobretudo se trabalha ou estuda.
Já na troca automática (DPA), a maioria ocorre à noite, com a ajuda de uma máquina cicladora. O paciente fica ligado à ela durante um período de 8 a 10 horas. O fluido de DP é administrado através de um conjunto de bolsas e tubos especiais. A cicladora drena e enche de novo a cavidade peritoneal automaticamente enquanto o paciente dorme. De manhã, ele se desliga da máquina e fica livre para realizar as suas atividades diárias. Mas dependendo do estilo de vida e da patologia, existem prescrições diferentes na DPA.
Apoio e assistência
Ao paciente de DP, é solicitado que vá a uma consulta no seu centro de diálise todos os meses. Nessa consulta, é colhida uma amostra de sangue para determinar se ocorreram eventuais alterações desde a última consulta e se é necessário ajustar o tratamento. O médico confere os resultados das análises laboratoriais, a ficha de medicamentos e a dieta. Os registros domiciliares são igualmente checados para verificação dos sinais vitais, incluindo pressão arterial, pulsação, temperatura e peso. São examinados o cateter peritoneal e o ponto de saída.
As bolsas da diálise peritoneal
A prescrição de diálise é feita de acordo com as necessidades. O médico faz a prescrição das bolsas e linhas com as quantidades necessárias para o tratamento e estas são entregues mensalmente na residência. E qualquer alteração da prescrição somente pode ser realizada pelo médico.
Utiliza-se um estoque de segurança se uma entrega for adiada devido a não haver ninguém em casa ou no caso de alteração da prescrição. O representante da assistência ao cliente vai contatá-lo para determinar o inventário e ajudá-lo a gerenciar os estoques de casa.
A higiene na diálise peritoneal
Na diálise peritoneal é fundamental seguir rigorosas técnicas de higiene de modo a impedir a entrada de microrganismos através do cateter, da extensão do cateter ou durante a ligação da bolsa. A pele é uma barreira natural para eles. Mas se apresentar pequenas fissuras, podem entrar organismos nocivos ao nosso organismo e à circulação sanguínea, com a possibilidade de ocorrência de uma infecção. Por esse motivo, uma boa fixação do cateter é extremamente importante. Caso contrário, o movimento do cateter causará lesões na pele, no ponto de saída, o que pode resultar numa infecção. A aplicação das regras de higiene na rotina diária é a melhor forma de evitar contrair uma infecção do peritônio, a chamada peritonite.
Fonte: Portal de Notícias WG