Médicos consideram que uma picada de aranha para a qual não foi dada a devida importância pode ter causado a falência renal da aposentada
A ex-trabalhadora rural Salvalucia Moreira da Silva, de 56 anos, faz hemodiálise três vezes por semana há quase 20 anos. Às segundas, quartas e sextas, ela embarca em uma van que a leva de Itapirapuã, no interior de Goiás, à capital do estado, para fazer a filtragem de sangue. O problema de saúde que leva a aposentada a cumprir essa jornada começou ainda infância, por conta de uma aranha marrom.
Quando tinha oito anos, Salvalucia foi picada no pé. Os pais dela trataram a ferida, mas não imaginaram os riscos relacionados ao veneno do animal. As aranhas-marrom (gênero Loxosceles) carregaram uma toxina nas presas que é capaz de deteriorar os tecidos do corpo e até causar a morte.
Em acidentes assim, é preciso usar soros contra as toxinas dos aracnídeos. “O ideal é lavar o local com água e sabão e buscar o médico imediatamente”, explicou o cirurgião Trajano Sardenberg, em entrevista anterior ao Metrópoles. “A maior parte dos casos é leve e alguns podem ser tratados com analgésicos e antialérgicos, mas é sempre preciso que a avaliação seja feita por médico”, enfatizou.
As consequências da picada de aranha
A menina sentiu apenas uma dor momentânea. “Eu mesma a matei. Ela já tinha me mordido e senti dor na hora, mas depois passou”, lembra Salvalucia. As consequências do encontro progrediram lentamente no corpo dela até que, aos 38 anos, e mulher foi diagnosticada com insuficiência renal.
“Acidentes com animais peçonhentos podem levar à insuficiência renal aguda. O fluxo de sangue para os rins pode ser reduzido devido às toxinas, causando a necrose no órgão. Em casos assim, o tratamento deve ser feito com o paciente internado e com terapias direcionadas para que os rins se recuperem dos efeitos provocados pelo veneno”, explica a nefrologista Viviane Elizabeth de Oliveira, da RenalClinica, de Goiânia, médica de Salvalucia.
No interior do estado, e com pais sem a informação necessária, ela não recebeu o tratamento adequado, e também não identificou os sintomas da doença que progredia em seu corpo. Na adolescência e início da vida adulta, Salvalucia sentia uma fraqueza constante, mas achava que estava com anemia. Os tratamentos que fez, caseiros e medicamentosos, não a ajudaram a melhorar.
Por volta de 2003, Salvalucia começou a ter picos de pressão alta. “Todas as vezes que eu ia ao posto de saúde fazer minhas consultas de rotina, acabava ficando internada por conta da minha pressão. As enfermeiras achavam que era crise de estresse, e ninguém controlava direito”, afirma ela.
A hipertensão arterial descontrolada é um dos fatores de risco para a insuficiência renal. A pressão alta descontrolada torna os vasos sanguíneos mais rígidos, comprometendo a irrigação dos rins, o que acelera seu envelhecimento.
Um médico que a atendeu ao observar os resultados dos exames suspeitou que o quadro tivesse consequências renais e a encaminhou para um especialista. “No primeiro dia que fui ao nefrologista, já recebi o encaminhamento da hemodiálise. Ele me disse que meus rins estavam completamente perdidos”, lembra.
No dia 24 de agosto de 2005, Salvalucia fez a primeira hemodiálise e nunca mais parou. Ela se aposentou por conta do problema. Tentou se mudar para Goiânia, para ficar mais próxima dos centros de atendimento que oferecem o serviço, mas não conseguiu se sustentar na capital. Com isso, três vezes por semana encara uma viagem de 220 km em cada trecho para receber atendimento médico.
Há alguns anos, quando as estradas estavam em pior estado, fazer o trajeto chegava a tomar oito horas de seu dia.
Os tratamentos para a insuficiência renal
Cerca de 155 mil pessoas no Brasil são portadoras de doença renal crônica e dependem de hemodiálise para sobreviver. O procedimento médico substitui o trabalho realizado pelos rins.
O rim funciona como um filtro para o sangue, removendo substâncias indesejadas que circulam no corpo. Pessoas com insuficiência renal perdem essa capacidade – a doença é progressiva com estágios de 1 a 4, sendo o último o mais grave. Se o paciente em estágio 4 não fizer diálise, o corpo começa a acumular toxinas que causam complicações graves no organismo.
Quando o caso de Salvalucia foi diagnosticado, já estava no nível máximo de gravidade. “Quando um paciente atinge o estágio 4, ele não consegue mais sobreviver sem ajuda, seja em sessões frequentes de diálise peritoneal ou hemodiálise. A única solução que é capaz de dar mais autonomia é o transplante renal”, esclarece a nefrologista Viviane Elizabeth de Oliveira, também Diretora Regional da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT). A assoociação está fazendo a campanha A Diálise Não Pode Esperar, que pede melhores condições nacionais às clínicas e aos pacientes renais.
O problema é que a fila de espera para receber um rim é a maior entre todos os órgãos e o processo pode levar tempo indeterminado se não houver doadores compatíveis. Mais de 42 mil pessoas esperam receber um rim no Brasil.
No caso da trabalhadora rural, a espera pelo transplante começou ainda em 2011. “A folha que autoriza meu transplante em cirurgia de emergência está até fina de tanto tempo de espera”, conta. Uma complicação do seu tipo sanguíneo torna mais difícil achar um doador compatível.
Fonte: Jornal Metrópoles