Tratamento da acidose metabólica na insuficiência renal crônica

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A acidose metabólica é uma das alterações que ocorrem no desenvolvimento e evolução da insuficiência renal crônica (IRC). Esse quadro é mais frequente conforme acontece a piora da função renal, normalmente começando no estágio 3. Diversos mecanismos levam ao aumento de ácidos no organismo desses pacientes, sendo os principais a redução da excreção de H+ e da regeneração do HCO3- (principal tampão do organismo) pelos rins. Tanto o KDIGO quanto o KDOQI sugerem que o valor do bicarbonato deve ser mantido acima de 22 mEq/L.
Diversas complicações estão associadas à acidose metabólica (abaixo em “Efeitos adversos da acidose metabólica da IRC”), destacando-se a aceleração na progressão da insuficiência renal e aumento da mortalidade. Acredita-se que a ativação de complementos, endotelinas, mediadores inflamatórios e do eixo renina-angiotensina-aldosterona estejam associados a fibrose intersticial renal e consequente piora da taxa de filtração glomerular (TFG) e função renal (figura 1). Discussão mais aprofundada pode ser apreciada em outros artigos.
Efeitos adversos da acidose metabólica da IRC:
Aumento da degradação de proteínas musculares, com sarcopenia e restrição ao crescimento em crianças;
Osteopenia;
Redução na síntese de albumina e tendência a hipoalbuminemia;
Progressão da IRC;
Estímulo a inflamação;
Comprometimento da secreção e resposta a insulina;
Estímulo ao acúmulo de B2-microglobulina;
Aumento da mortalidade.
Meta-análise sobre os efeitos do tratamento da acidose metabólica na IRC
Foi publicada recentemente uma meta-análise sobre os efeitos do tratamento da acidose metabólica na IRC. Estudos comparando reposição com bicarbonato ou citrato oral (álcali) ou intervenção dietética, seja com aporte de vegetais ou restrição proteica e uso de cetoanálogos, foram incluídos. Os desfechos analisados foram divididos em três grupos: progressão da doença renal, desfechos relacionados aos benefícios e desfechos relacionados a efeitos adversos e alterações eletrolíticas.
Observou-se que a reposição com álcali oral e intervenção dietética retardam significativamente a progressão da disfunção renal e evolução para IRC dialítica em comparação a placebo. Dois estudos reportam a redução da albuminúria. Houve aumento da concentração sérica de bicarbonato, sem alteração em outros eletrólitos, PTH, albumina e circunferência do braco (avaliação da massa muscular).
A reposição oral de bicarbonato e citrato de sódio apresentou piora de edema, sendo necessário maior dose de diurético, e de hipertensão arterial, com maior uso de anti-hipertensivos. Por outro lado, a intervenção dietética mostrou melhora no controle pressórico.
Vale ressaltar a heterogeneidade dos estudos e a falta de trabalhos comparando diretamente a reposição de álcali oral com a intervenção dietética. Não existem estudos a longo prazo com avaliação de mortalidade e outros desfechos relacionados ao paciente, como avaliação da densidade óssea, parâmetros inflamatórios e mesmo mortalidade. As publicações que avaliam esses parâmetros vem de subanálises de estudos observacionais não desenhados para tal.
Portanto, há evidências que apontam para grande benefício da correção da acidose metabólica, utilizando reposição de álcali oral ou intervenção dietética. Apesar de faltarem estudos randomizados e a longo prazo que confirmem a regressão da lesão óssea, perda muscular e redução na mortalidade com o tratamento, há evidência que pacientes acidóticos tem piores desfechos que aqueles com bicarbonato > 22 mEq/L.
Dosar HCO3- : IRC estágio 3 → a cada 12 meses / estágios 4 e 5 → 3/3 meses;
Reposição de bicarbonato de sódio quando o HCO3 < 22 mEq/L;
Iniciar com comprimidos de 650mg 2x ao dia ou Bicarbonato de sódio em pó;
Dose do NaHCO3 oral deve ser titulada para manter o nível sérico > 22 e < 32 mEq/L;
Estimular mudança dietética com frutas e legumes;
Observar hipercalemia;
Uso do citrato pode aumentar a absorção de alumínio, causando doença adinâmica dos ossos nos pacientes com IRC terminal.
Autor:
Guilherme Fonseca Mendes
Nefrologista no Hospital Universitário Antonio Pedro / UFF ⦁ Rotina de equipe de clínica médica do Hospital Icaraí ⦁ Coordenador médico do Grupo GAMEN – Dialisa ⦁ Membro da Câmara técnica de nefrologia Cremerj
Referências:
Chen, W. and M.K. Abramowitz, Treatment of metabolic acidosis in patients with CKD. Am J Kidney Dis, 2014. 63(2): p. 311-7.
Kovesdy, C.P., Metabolic acidosis and kidney disease: does bicarbonate therapy slow the progression of CKD? Nephrol Dial Transplant, 2012. 27(8): p. 3056-62.
Kraut, J.A. and N.E. Madias, Metabolic Acidosis of CKD: An Update. Am J Kidney Dis, 2016. 67(2): p. 307-17.
Initiative, N.K.F.K.D.O.Q., K/DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification, and stratification. Part 4. Definition and classification of stages of chronic kidney disease.
Navaneethan, S.D., et al., Effects of Treatment of Metabolic Acidosis in CKD: A Systematic Review and Meta-Analysis. Clin J Am Soc Nephrol, 2019.
Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/tratamento-da-acidose-metabolica-na-insuficiencia-renal-cronica/ – 01/07/2019