Remédios conhecidos como imunossupressores são fundamentais para que os órgãos transplantados não sejam rejeitados.
Desde o início do ano, o sistema federal de distribuição de remédios vive uma aguda crise de desabastecimento, afetando principalmente os transplantados. Pacientes de diversos estados têm denunciado uma instabilidade na distribuição da medicação usada pós-transplante nas farmácias do Sistema Único de Saúde (SUS), o que gera constantes falta dos remédios e fracionamento na entrega. Os imunossupressores são fundamentais para que os órgãos transplantados não sejam rejeitados. São remédios que o paciente precisa tomar pelo resto da vida, caso contrário, corre o risco de perder o órgão ou até de morrer.
Os medicamentos Tacrolimo, Ciclosporina e Cicofenolato de Sódio são os principais com problemas na entrega. A compra desses produtos é feita exclusivamente pelo governo federal, que distribui para as secretarias estaduais para que elas abasteçam suas farmácias. Além disso, essas drogas não são vendidas em farmácias comuns. Caso o paciente decida comprar, precisa localizar um distribuidor e checar a disponibilidade do produto.
Paulo Augusto Pereira, de 24 anos, mora em Belo Horizonte (MG), realizou o transplante renal há dois anos e, desde então, faz uso do medicamento Ciclosporina, em três doses diferentes. Cada caixa dura 15 dias e, no total, custa R$ 800. “Os remédios são muito caros, não tenho condições de comprar e dependo completamente da distribuição do SUS. O problema é que, desde janeiro, estava impossível encontrá-los e tive que me virar para não ficar na mão”, conta. Houve períodos em que o jovem chegou a ser internado para não ficar sem os medicamentos. Muitas vezes, os pacientes acabam seguindo para um hospital, pois quando chegam lá, recebem a medicação de forma emergencial.
Durante os seis meses, Paulo e o pai, José Pereira, tiveram que recorrer a outros pacientes com doses sobrando, mas nem sempre tiveram sucesso. A Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil (FENAPAR) ajudou a família a conseguir os medicamentos necessários uma vez e, recentemente, os dois chegaram a procurar novamente a entidade. No entanto, no dia 13 de junho, os medicamentos foram entregues na farmácia. “Quando ficamos sabendo da notícia, foi um alívio, mas continuo apreensivo, pois sei que isso não vai durar muito. As filas da farmácia estão gigantes e é normal ficarmos meses sem medicamento. Isso assusta, pois posso acabar perdendo meu rim”, detalha.
De acordo com o médico nefrologista e vice-presidente da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), Marcos Vieira, a situação é mais frequente do que se imagina e se repete ano após ano, devido a dívidas dos governos federais e estaduais. “A partir do momento em que o paciente recebe o órgão, ele precisa tomar diariamente, em dosagem exata, os medicamentos indicados. O problema é que eventualmente os estados não conseguem realizar as compras e faltam medicamentos. Dessa forma, o paciente corre o risco de perder o rim de forma aguda (ação imediata quando o paciente deixa de tomar os medicamentos) ou crônica (ação lenta e, muitas vezes, imperceptível, quando o paciente toma os medicamentos sem a frequência ou dosagem necessária)”, explica.
Dr. Marcos aponta que a situação é preocupante e pode gerar complicações tanto para os pacientes quanto para as clínicas de diálise. “Se os pacientes começarem a perder os órgãos transplantados, eles precisarão voltar para as máquinas de hemodiálise, mas as clínicas já estão sobrecarregadas de pacientes e não conseguem receber mais demandas. Além disso, vale lembrar que as clínicas já enfrentam inúmeros desafios para continuar atuando, sendo que muitas ficam meses sem receber o repasse da verba destinada à hemodiálise.”
Sobre a ABCDT
A Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) é uma entidade de classe que representa as clínicas de diálise de todo o país. Tem como principal objetivo zelar pelos direitos e interesses de seus associados, representando-os junto aos órgãos públicos, Ministério da Saúde, Senado Federal, Câmara Federal, Secretarias Estaduais e Municipais. Também representa as clínicas e defende seus interesses individuais e coletivos.