Sem repasses, clínicas de hemodiálise podem deixar cinco mil sem tratamento no Rio

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Unidades privadas são conveniadas ao SUS.
RIO – Os cerca de cinco mil pacientes que fazem hemodiálise nas 20 clínicas conveniadas ao SUS no município do Rio estão com o tratamento ameaçado. Alguns já estão tendo sessões canceladas por falta de material. As unidades afirmam que não têm recebido o repasse da prefeitura e estão sem dinheiro para comprar insumos, medicamentos e pagar os funcionários.
O Ministério da Saúde afirma que, de 2015 a 2018, foram repassados R$ 994 milhões para o Rio de Janeiro referentes a procedimentos de terapia renal substitutiva e, somente este ano, até o mês de outubro, foram enviados R$ 84,6 milhões. No site do Fundo Nacional de Saúde (FNS), consta um repasse, no último dia 19, de R$ 6.501.862,05, referente a outubro de 2018.
– É uma verba enviada para a prefeitura fazer os pagamentos e que não pode ser usada para outra finalidade. Por lei, o dinheiro deve ser depositado para as clínicas em cinco dias úteis após o repasse do governo federal – afirma Yussif Ali Mere Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT).
Donos de clínicas particulares afirmam que, desde 2017, têm convivido com a incerteza do pagamento. Em outubro, não receberam nada e, esta semana, a prefeitura entrou em contato com as unidades pedindo que elas emitissem nota fiscal de pagamento com o valor de 10% dos serviços prestados. No entanto, os valores indicados pelo município sequer chegavam a essa porcentagem. Uma das clínicas da cidade tinha que receber R$ 661 mil este mês. Mas a nota fiscal de outubro indicava um repasse de R$ 51 mil.
A irregularidade no pagamento levou muitos donos de clínica a recorrer a empréstimos bancários para pagar as contas de luz, de água, funcionários e comprar material.
– Todo final e início de ano é esse desespero. Recorro a empréstimos e, a cada ano, fico mais enrolada. A prefeitura ainda resolveu pagar pela média estimada e não pelo faturamento informado. No fim do ano, temos um rombo. Estamos fazendo de tudo para manter as sessões de diálise dos nossos 250 pacientes – diz a médica Carmen Villarino, diretora da Nefroclin, em São Cristóvão.
A despeito dos esforços que clínicas têm feito para não paralisar o atendimento, muitos pacientes estão apreensivos. Tatiana David Bittencourt tem 41 anos e, há 16, depende da hemodiálise para viver. Ela conta que acompanha de perto a situação:
– Tenho acompanhado clínicas que já estão parando por falta de repasses. Isso é um crime, uma vergonha. Essa máquina que filtra o nosso sangue é a nossa vida. É o rim fora do corpo. Sem esse tratamento, não consigo dar dois passos, é esperar a morte. As toxinas sobem. A alta de potássio pode levar ao coma.
Há 14 anos, Áurea Martins Cruz, de 76, enfrenta com coragem e disciplina o tratamento. Mas confessa que, pela primeira vez, teme a situação.
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– Pela primeira vez, estou ficando com medo. Esse tratamento não pode ser interrompido. É a minha vida. Minha mãe e três irmãos morreram por causa de doenças nos rins. Assim como eu perdi parte da minha família, pode acontecer com outras pessoas – diz dona Áurea, que mora em Olaria e, três vezes por semana, faz hemodiálise em São Cristóvão.
O nefrologista Bernardo Afonso Ribeiro Pinto vê no rosto de seus pacientes o mesmo medo de dona Áurea
– É muito triste. Os pacientes entram todo dia na clínica e perguntam se vamos parar. Ainda temos material, mas há unidades que já estão sem estoque – diz o médico, dono da Unirim, na Penha.
É o caso de uma clínica conveniada ao SUS na Ilha do Governador, que precisou suspender as sessões de hemodiálise por falta de material nesta quinta-feira. Neste mesmo dia, pacientes de uma clínica de Realengo fizeram um protesto na Avenida Santa Cruz.
Além da falta de pagamento, o valor repassado pelo Ministério da Saúde é menor do que o custo que os centros de hemodiálise realmente têm. De acordo com Yussif Ali Mere Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante, após quatro anos sem reajuste, em janeiro de 2017, o governo aumentou o valor da sessão para R$ 194,20. Mas o custo médio para as clínicas é de R$253.
– A maioria das clínicas está com dívidas e isso está refletindo no tratamento dos pacientes, inclusive psicologicamente – diz o nefrologista.
A Secretaria municipal de Saúde informou que parte do valor devido para as clínicas, referente ao mês de outubro e com cronograma de pagamento em novembro, será depositada na próxima semana. Explicou que os repasses anteriores foram feitos pela média de produção para que o pagamento pudesse ser feito ainda no mês de execução dos serviços, possibilitando equilíbrio financeiro dos estabelecimentos até a quitação de dívidas referentes ao fim de 2017, que foram quitadas no último dia 13. “Eventuais diferenças entre os valores pagos em cada mês e a prestação de contas das prestadoras eram quitadas junto com o repasse do mês seguinte”, afirmou a nota.
A secretaria afirmou que os R$ 6,5 milhões repassados pelo Ministério da Saúde à prefeitura em 19 de novembro não são suficientes para pagar pelos serviços prestados às clínicas de hemodiálise em outubro, mas não informou o valor que deve a essas unidades. A pasta diz ainda que os valores repassados são integralmente usados no custo de serviços de saúde à população, conforme cronogramas de pagamentos aos prestadores.
O Ministério da Saúde informou que os recursos federais para o financiamento da terapia renal substitutiva são oriundos do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (Faec), valor extra-teto enviado pela pasta para auxiliar no custeio dos serviços e incentivar um atendimento de maior qualidade à população. Esses valores são repassados com base na produção apresentada por parte do gestor local. O governo federal afirmou ambém que, além do Faec, os gestores locais devem utilizar o recurso do Limite Financeiro de Média e Alta Complexidade (Teto MAC), enviado mensalmente aos fundos de saúde para custeio e manutenção dos serviços de média e alta complexidade, incluindo custeio de outros procedimentos para o tratamento do doente renal crônico e agudo.
Fonte: O Globo – https://oglobo.globo.com/rio/sem-repasses-clinicas-de-hemodialise-podem-deixar-cinco-mil-sem-tratamento-no-rio-23272960 – 01/12/2018