Em todo Estado de São Paulo, 12.237 pessoas aguardavam, em agosto, a solidariedade de famílias que, diante do falecimento de um ente querido, decidissem pela doação de seus órgãos. Não bastasse essa dificuldade, faz parte ainda do rol de esperas de quem precisa de um transplante contar com uma maré de sorte — que muitos também chamam de destino ou proteção divina — de que o doador seja compatível. No Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos, lembrado neste 27 de setembro, a luta ainda está em transpor as dúvidas e inseguranças em relação ao tema. Em todo o País, 23.108 pessoas esperavam por um órgão na fila em agosto.
Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, não é possível saber quantas pessoas da lista de espera unificada — que reúne pacientes de todo o Brasil — são sorocabanos ou residem na cidade e região. Se considerados os dados do Estado, entretanto, é possível verificar que o maior montante, no mês passado, era na espera por um rim: 10.987 pacientes. O médico Francisco Antônio Fernandes, coordenador da equipe de transplante renal do Hospital Santa Lucinda — habilitado, desde 1992, para a realização desse tipo de procedimento na região — explica que esse número não é mero acaso. “Isso acontece pois temos diagnósticos cada vez mais precoces e uma melhor qualidade da diálise, o que permite ao doente renal crônico uma sobrevida maior.” No caso específico dos rins, os pacientes que aguardam pelo órgão têm, ainda, a possibilidade de encontrar um doador vivo. Entretanto, dos 77 transplantes feitos no Santa Lucinda desde janeiro de 2012, 90% foram realizados com órgãos de doadores falecidos, ou seja, que chegaram no estado neurológico de morte cerebral. De acordo com Fernandes, com a qualidade dos tratamentos se tem optado por aguardar na fila e, após constada a ausência de doadores, partir para a identificação de familiares aptos ao procedimento.
Para os demais órgãos, só há possibilidade de doadores vivos os casos de pacientes que necessitam de medula óssea ou apenas parte de um fígado ou pulmão. Depois dos rins, a maior espera, em agosto, era por um fígado (580) e rins/pâncreas (400) — quando há necessidade dos dois órgãos. As menores filas eram de quem aguardava um coração (158 pacientes), um pulmão (95) ou apenas o pâncreas (17). Francisco Fernandes ressalta que os números mostram exatamente a urgência de um transplante — no caso destes, os pacientes nem sempre suportam a espera. Além dos chamados órgãos sólidos, há ainda a fila por córneas. Eram 9.954 pacientes nessa situação no Brasil todo, em agosto, dos quais 3.329 em São Paulo. Todos os procedimentos ligados a um transplante são realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Resistência
“Do ponto de vista tecnológico, de equipes capacitadas, alocação dos órgãos onde precisam chegar, o Brasil está muito bem. O que ainda falta é um amadurecimento e entendimento das pessoas sobre o momento da morte encefálica”, ressalta Fernandes. Segundo o Estado, a recusa dos familiares em autorizar a doação de órgãos, que na década de 1990 era de 70%, já caiu para 40% em 2016. Mas o número de autorizações ainda não é suficiente. “Precisamos de mais doações e que elas ocorram com mais facilidade. Temos uma equipe grande trabalhando, uma fila gigante, mas também famílias que têm que tomar uma decisão rápida.” O médico reitera que o diagnóstico de morte encefálica — quando o cérebro deixa de funcionar, porém o coração continua batendo, num sinal reflexo, o que mantém os órgãos vivos para que possam ser transplantados — é bastante seguro. “Existem métodos gráficos que permitem ter certeza do diagnóstico. Neste estado clínico não há relato de nenhum caso em que o paciente tenha voltado, mesmo de maneira inconsciente. Essas pessoas têm apenas poucas horas de vida.” Não existe nenhuma identificação formal, como um documento, por exemplo, capaz de garantir que a pessoa que deseja ser doadora de órgãos passe pelo procedimento em caso de morte encefálica. Porém, comunicar a vontade à família é imprescindível, já que serão os familiares os responsáveis pela decisão.
Audiência pública
Para marcar a passagem do Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos será realizada amanhã, às 19h30, na Câmara Municipal de Sorocaba, uma audiência pública com a presença de representantes das equipes de transplantes que atuam na cidade, além de profissionais que irão explicar em detalhes o que é a morte encefálica. O evento é gratuito e aberto a todos os interessados.
Fonte: Cruzeiro do Sul – http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/823186/doacao-de-orgaos-enfrenta-resistencia-de-familiares – 28/09/2017