Não se trata apenas de um nome complicado. A glomeruloesclerose segmentar e focal (Gesf) é uma doença renal que se traduz em poucas esperanças para seus pacientes.
À base de corticoides e imunossupressores, o tratamento nem sempre tem boa resposta, já que parte dos doentes desenvolve resistência aos medicamentos e o quadro acaba evoluindo para insuficiência renal crônica. Com indicação para a hemodiálise, esses pacientes terminam engrossando as filas de transplante.
“Isso sobrecarrega e onera o sistema público de saúde. Logo, contar com uma alternativa que impeça essa evolução e permita que esses pacientes consigam viver como doentes crônicos e com melhor qualidade de vida já é um grande avanço”, fala o médico Marcelo Morales, que estendeu suas pesquisas sobre o emprego de células-tronco no tratamento de doenças pulmonares, como a silicose e fibrose cística, para doenças renais, como a Gesf e a nefropatia diabética. Ele acredita que, também nestes casos, em que há lesão renal, as células-tronco sejam uma opção eficiente.
É fácil entender por quê. Na silicose pulmonar – provocada pela inalação de poeira de sílica, que afeta principalmente operários da construção civil e empregados que trabalham com lapidação de jóias ou com jateamento de areia em cascos de navio –, um processo inflamatório lento e contínuo vai gradativamente transformando o tecido pulmonar em tecido cicatricial. “Pouco a pouco, esse tecido, responsável pela troca gasosa, vai sendo substituído por tecido fibroso, dificultando cada vez mais a respiração. Com isso, o pulmão vai perdendo sua função e o paciente desenvolve insuficiência respiratória”, explica Morales.
Agora, o pesquisador traça o mesmo caminho em sua pesquisa sobre doenças renais. Isso porque, tal como na silicose, também na glomemuesclerose segmentar e focal, há formação de tecido cicatricial. “Como os glomérulos são conjuntos microscópicos de capilares enovelados, com paredes dotadas de uma membrana capaz de filtrar o sangue, caso eles sejam acometidos, afeta-se a capacidade dos rins em eliminar resíduos metabólicos e toxinas do nosso organismo”, explica.
Para entender melhor semelhanças e diferenças entre os dois órgãos – rim e pulmão –, e já havendo estudado modelos animais de doenças pulmonares numa fase anterior de seu projeto, Morales passou também a pesquisar modelos de doenças renais, detendo-se, principalmente, em sua fisiopatologia, ou seja, como essas doenças se desenvolvem e como é possível impedir que elas avancem. “Com modelos animais de doenças renais e respiratórias já estabelecidos em nosso laboratório – essencialmente ratos e camundongos –, demos continuidade às pesquisas com células-tronco para respaldar um salto importante. Ou seja, aplicar nossos achados para benefício de seres humanos. Optamos por testar pacientes que já não respondiam às terapias convencionais e para os quais não havia alternativas de tratamento.”
Como se sabe, as células-tronco têm poder anti-inflamatório e antifibrótico. Elas liberam moléculas, proteínas e fatores que modulam a resposta inflamatória. “Na silicose, pudemos perceber que, em animais, o tratamento impede a evolução da doença e ainda que já era possível aplicá-lo com segurança em seres humanos.” No caso das doenças renais, o pesquisador pôde observar que as células-tronco funcionam igualmente em modelos animais.
Como explica Morales, o procedimento ainda poderia ser aplicado para preservar os rins durante um transplante. “Sempre que um órgão é retirado do doador, fica alguns momentos sem o aporte normal de oxigênio e nutrientes do sangue. No caso do rim, quando ele é transplantado no paciente receptor e o sangue é reintroduzido, pode ocorrer uma lesão natural do tecido renal, comprometendo-o. É a chamada lesão por reperfusão. Com a injeção de células-tronco, essa lesão pode ser minimizada, como já sugerimos em modelos animais de lesão renal por isquemia seguida de reperfusão”, afirma.
Fonte: Planeta Universitário http://www.planetauniversitario.com – 18/08/2016