Cerca de 10 milhões de brasileiros sofrem de algum tipo de disfunção renal, mais de 100 mil em condições crônicas, dependendo de diálise, tratamento em que o paciente fica conectado a uma máquina para filtrar o sangue até três vezes por semana, quatro horas a cada dia. Uma sessão especial realizada em Plenário, nesta quinta-feira (10), no Dia Mundial do Rim, chamou a atenção para as dificuldades que os doentes renais enfrentam no país, uma realidade descrita como dramática por parlamentares e convidados.
Além da escassez de informações sobre como prevenir as doenças renais, a população se depara com a falta de atendimento médico para diagnóstico e tratamento, inclusive para renais crônicos. Devido a cortes de recursos públicos, convidados chegaram a advertir para o risco de colapso tanto na área de diálise quanto na de transplantes. Um dos alertas partiu do médico José Osmar Medina Pestana, chefe do Serviço de Nefrologia da Escola de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, onde implantou o maior programa de transplantes do país.
— Hoje, nós estamos comemorando o Dia Mundial do Rim, e neste dia nós deveríamos estar promovendo algumas ações de saúde para evitar que as pessoas chegassem à necessidade de uma diálise ou de um transplante. Mas a preocupação nossa é como manter o que conquistamos até agora, como manter esses cem mil pacientes sendo ‘dialisados’ com qualidade e como manter os cinco mil transplantes por ano que são realizados no Brasil — afirmou.
Autor do requerimento para a sessão, o senador Eduardo Amorim (PSC-SE), que é médico e dirigiu os trabalhos, observou que o quadro de mazelas na saúde pública é tão grande que algumas questões perdem visibilidade, como o problema da doença renal, a seu ver um dos mais sérios dentro do “trágico cenário”. Salientou, contudo, que não se pode perder esperança e reforçou compromisso na busca de soluções, buscando o apoio de todos os colegas senadores.
— Passamos por um momento crítico de nossa história republicana, é verdade, e não podemos nos esquecer de que, nestes momentos, são os mais fracos que, injustamente, mais sofrem. É imprescindível que o Senado permaneça atento a esse tema e contribua, na medida do possível e, por que não dizer, do impossível, para a formulação e a implementação de políticas públicas capazes de minorar o sofrimento desses milhares de brasileiros — afirmou.
Infância
Este ano, o tema do tema do Dia Mundial do Rim foi "Prevenção da doença renal começa na infância”. A presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, Carmen Tzanno Branco Martins, informou que a entidade programou mais de 700 eventos em todo o país, com o objetivo de alertar para a adoção de hábitos saudáveis desde a infância. Ressaltou, contudo, a importância de aproveitar a sessão no Senado para denunciar os problemas atuais, buscando causar reflexões e soluções.
Segundo a médica, o número de pacientes dependentes de diálise triplicou nos últimos 15 anos, passando de 40 mil para quase 120 mil. Apesar disso, o número de clínicas de tratamento não apenas deixou de acompanhar esse crescimento como até mesmo vem reduzindo. Devido ao congelamento do valor pago pelas sessões, pelo Sistema Único de Saúde, mais de 70 clínicas fecharam, enquanto outras deixaram de atender pacientes do sistema público.
— Com isso, vemos que faltam vagas em muitos municípios, porque apenas 7% dos municípios têm unidades de terapia renal. Então, hoje, acumulam-se nos hospitais pacientes aguardando uma vaga — lamentou.
Calamidade
O presidente da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplantes, Hélio Vida Cassi, que representa pouco mais de 700 clínicas especializadas em diálise, salientou que em média, no Brasil, apenas 500 pacientes para cada milhão de habitantes fazem diálise. Já em alguns países da América Latina, a proporção chega a mil por cada milhão. Segundo ele, isso não significa que população brasileira seja mais saudável, mas sim que praticamente metade dos pacientes com indicação para chegar à diálise morre antes de isso acontecer, por falta de acesso ao tratamento.
— Isso é uma calamidade que precisa ser denunciada — afirmou.
Do total de clínicas hoje existentes no país, ele disse que 640 são privadas. Apesar da pequena oferta de serviços, ele disse que os profissionais da área médica não se animam a abrir clínicas, pois o investimento é elevado e o retorno baixo. Disse ainda que as clínicas recebem do SUS valor próximo a R$ 179 por sessão de diálise, que está congelado há três anos. O último reajuste foi de 5%, sem cobrir a inflação do período anterior.
Outro convidado foi o presidente da Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil, Renato Padilha. Ele afirmou que em alguns estados o atendimento a renais crônicos é crítico. No Pará, por exemplo, só existe um centro de hemodiálise. Um paciente chega a sair meia noite da sessão, pois a falta de vaga obriga atendimento até durante a noite.
— Por haver um excesso de turnos, um paciente chegou a se acorrentar em frente à clínica para chamar a atenção das autoridades, para dizer que aquilo não é qualidade de vida e que ele está próximo de morrer — denunciou.
Padilha registrou ainda que as indústrias fornecedoras de insumos para diálise peritonal, insatisfeitas com os preços, já informaram que vão suspender a entrega de medicamentos a partir desse mês. Esse procedimento é feito na casa do pacientes, sendo o mais adequado para idosos, crianças ou para pessoas que moram longe de locais onde há clínicas.
Receitas
O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), lamentou a derrubada, segundo ele por ação da base parlamentar do governo, de projeto de lei destinado a vincular 10% da receita corrente líquida (RCL) da União para a área de saúde. Com isso, afirmou, hoje está sendo impossível financiar serviços essenciais, como os necessários aos renais crônicos.
A deputada Carmem Zanotto (PPS-SC) reforçou a necessidade de garantir 10% da receita líquida para a saúde, medida que agora depende de uma proposta de emenda constitucional ainda em análise na Câmara dos Deputados. Ela também é autora de projeto reivindicado por renais crônicos (PL 155/2015), que reconhece pacientes dependentes de hemodiálise como deficientes físicos, o que facilitará acesso a benefícios previdenciários.
Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), a defasagem do valor das sessões de hemodiálise é um grave problema, pois recaem sobre os pacientes as dificuldades financeiras criados para as clínicas. José Medeiros (PPS-MT) registrou sua indignação com o fato de o país ainda perder 56% dos rins ofertados para transplantes, o último recurso de tratamento para renais crônicos.
Participaram também da sessão especial, com palavras de apoio às demandas dos pacientes renais, os senadores Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), Regina Souza (PT-PI) e Dalírio Beber (PSDB-SC). Entre muitos deputados presentes, estava André Moura (PSE-SE), que milita em defesa dos renais crônicos e foi convidado a compor a mesa de trabalhos, ocupada ainda pela enfermeira Antonia da Graça Silva, representando a Associação Brasileira de Enfermagem em Nefrologia.
Ao fim da sessão, parlamentares e convidados se dirigiram ao gramado do Congresso Nacional, para um abraço simbólico em balão de gás no formato de rim. O gesto teve por fim demonstrar a importância de cuidados preventivos que todos devem adotar para evitar doenças renais possíveis de prevenção.
Fonte: Agência Senado – 10/03/2016