Entidades que representam os pacientes na capital denunciam que, para não interromper as sessões de hemodiálise, o GDF tem diminuído a quantidade de tempo do doente na máquina. Donos de clínicas conveniadas dizem que repasse está atrasado.
Quem sofre é o paciente. Sinto uma angústia imensa pelo medo de o tratamento parar” Odésia Vieira de Souza e Silva, aposentada cujo filho faz tratamento de hemodiálise.
A situação dos pacientes renais na capital federal é dramática. Diariamente, eles enfrentam queda de qualidade no tratamento, seja pela diminuição do número de sessões de hemodiálise, seja pela falta de vagas. A fila de espera só cresce e as máquinas estão sucateadas.
Atualmente, 80,3% dos 102 equipamentos existentes na rede pública não têm contratos de manutenção, ou seja, quando quebram, não são consertados. A denúncia é das entidades que representam os doentes em Brasília. O GDF mantém convênio com clínicas e hospitais particulares, mas o pagamento está atrasado, de acordo com os empresários. O custeio do tratamento é feito com repasses do Ministério da Saúde, que banca R$ 179,03 por sessão — valor que não é reajustado desde fevereiro de 2013. Segundo o Portal da Transparência do órgão federal, não há irregularidades no pagamento. A Secretaria de Saúde nega os problemas.
Para complicar a situação há, ainda, desabastecimento de insumos. O problema é tamanho que o Executivo local se viu obrigado a diminuir o número de sessões de hemodiálise na rede pública. Segundo as entidades que representam os pacientes na capital, para que ninguém deixe de ser atendido, o material que seria usado por uma pessoa durante o mês chega a render para até três. Elas denunciam ainda a falta de materiais básicos, como agulha, algodão, álcool e esparadrapo nos hospitais.
O filho da aposentada Odésia Vieira de Souza e Silva, 67 anos, realiza diálise há um mês no Hospital Regional de Sobradinho (HRS). Desde o início do tratamento, a família enfrenta dificuldades. “O material que chega não é suficiente. Os médicos fazem de tudo para ajudar os doentes. Quem sofre é o paciente. Sinto uma angústia imensa pelo medo de o tratamento parar”, conta. Na tarde de quinta-feira, o servidor público Fabrício de Souza, 38, realizou mais uma sessão do tratamento, mas com o tempo reduzido. “Fico sempre com o receio de chegar o dia em que ele não vai fazer. Se até hoje isso não aconteceu, é porque os médicos tiram do próprio bolso para manter tudo funcionando”, diz a mãe do rapaz. No HRS, pelo menos 10 máquinas estão quebradas.
80,3% – Quantidade de equipamentos para hemodiálise que não têm contrato de manutenção na rede pública. Ao todo, existem 102 máquinas.
A União Brasiliense de Renais e Transplantados (Ubret) ressalta que desde o início do ano o tratamento está prejudicado no DF. “Os pacientes temem o risco de morte. Não temos alternativas ou a quem recorrer. No Hospital Regional de Taguatinga (HRT), por exemplo, três máquinas estão paradas. Os pacientes não fazem mais as quatro horas de diálise recomendadas, mas duas. No Gama, houve problema com o pagamento da clínica conveniada”, explica Adriana Galdino, presidente da Ubret, ao lembrar que a lista de espera para realizar o tratamento cresce a cada dia. A Secretaria de Saúde não divulgou o número de pessoas que aguardam tratamento.
O médico Fábio Ferraz é especialista em nefrologia e critica a modificação no plano de tratamento. “Isso (a redução no número de horas na máquina de hemodiálise) coloca em risco a vida do paciente. É obrigar os médicos a escolherem quem vive e quem morre.” Quando as toxinas não são colocadas para fora do organismo, processo realizado pela hemodiálise, os principais sintomas são amargor na boca, aumento da pressão arterial, retenção urinária, dores ósseas, taquicardia e parada cardíaca. As doenças renais afetam 500 pessoas por milhão de habitantes no Brasil. A estimativa da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) é que, no DF, 1,5 mil pacientes necessitem de tratamento. O crescimento anual de crônicos renais na capital federal é de 10%.
O Executivo local tem dívidas com as clínicas particulares conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), segundo empresários do setor. O Correio mostrou o problema em julho passado. A Secretaria de Saúde justifica que os débitos são da gestão anterior. A clínica Nephron, por exemplo, disponibiliza cerca de 260 leitos para o tratamento de hemodiálise — maior parceira do GDF no setor. “Temos uma inadimplência parcial, mas não deixamos de cumprir o que foi determinado pelos médicos. Isso é um compromisso ético. As dificuldades são gigantescas e o preço praticado é o mesmo há três anos. Os aumentos dos insumos não são repostos”, reclama Rafael Carrete, gerente regional do Grupo Nephron. Segundo donos de clínicas, a correção do valor pago pelo governo pelas sessões de hemodiálise não é feita desde fevereiro de 2013.
Gilson Nascimento, presidente da Aliança Brasileira de Apoio à Saúde Renal (Abrasrenal), se queixa do desvio da verba para o tratamento e da falta de diálogo com o governo local. A entidade monitora o tratamento em todas as capitais do país. “As carências estão alongando a fila de espera. Nem as unidades particulares estão conseguindo atender à demanda reprimida do governo. É raro encontrar um paciente que está realizando as 12 horas semanais de diálise no DF. O tratamento incompleto não retira as toxinas do organismo e gera acúmulo. É o mesmo que condenar à morte”, lamenta.
Versão oficial
A Secretaria de Saúde garantiu, em nota, que a prestação do serviço está ocorrendo normalmente, sem a necessidade de redução de atendimento. “Na última semana, 27 máquinas de hemodiálise passaram por manutenção preventiva e corretiva e estão em funcionamento pleno nas unidades de saúde da rede”, destaca o texto. A pasta frisou que “está trabalhando para que não haja falta de insumos”.
O Executivo local realizou pregão eletrônico, esta semana, para contratação de empresa especializada na prestação de serviços de manutenção preventiva e corretiva, com reposição de peças, em 82 máquinas de hemodiálise. O contrato com a entidade vencedora deve ser assinado em até 30 dias. A Secretaria de Saúde não informou o nome da empresa que assumirá o serviço. Atualmente, os hospitais públicos contam com 102 aparelhos. Destes, apenas 20 estão com contrato de manutenção em dia.
O Ministério da Saúde esclareceu, em nota, que os pagamentos referentes aos serviços de nefrologia para o DF estão regulares. Segundo a autarquia, de janeiro a setembro, o Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC Nefrologia) enviou R$ 29,5 milhões para o custeio de hemodiálise. Isso representa 88,5% de todo o repasse de 2014, quando o governo federal desembolsou R$ 33,3 milhões. Na semana passada, o Ministério da Saúde publicou portaria liberando mais R$ 99 milhões para todas as unidades da Federação. “A medida vai permitir o aprimoramento dos serviços de nefrologia oferecidos pelo SUS para o acompanhamento e o custeio do tratamento de pacientes renais crônicos em diferentes estágios”, assegura o texto.
Memória
Problema ecorrente
As clínicas que prestam serviço de tratamento de hemodiálise no Distrito Federal ameaçaram, em julho, suspender o recebimento de novos pacientes caso o GDF não pagasse as dívidas. Os débitos com seis unidades particulares somavam quase R$ 3 milhões. A lista de espera contava com 50 nomes. Em março, o GDF teve que transferir 131 pacientes da Clínica de Doenças Renais de Brasília (CDRB), pois ela rompeu com o governo. Na época, a Secretaria de Saúde atribuiu as dívidas à gestão de Agnelo Queiroz (PT). “Repasses do exercício atual (2015) para as clínicas de terapia renal estão em dia e não há riscos de paralisação dos serviços. As dívidas estão no cronograma de pagamento do Governo de Brasília”, garantiu a pasta, em nota.
Fonte: Correio Braziliense/DF: 07/11/2015
http://impresso.correioweb.com.br/cadernos/cidades/capa_cidades