Vilão silencioso da saúde

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Diagnóstico tardio de doença dos rins dificulta tratamento e pode levar paciente a óbito precoce, dizem especialistas.
A doença renal crônica é silenciosa e quase sempre diagnosticada tardiamente. Os doentes renais crônicos já são cerca de 5% a 10% da população mundial. A hipertensão arterial e o diabetes continuam sendo os principais vilões comprometedores do bom funcionamento dos rins. No Brasil, a doença já é considerada epidêmica. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, nos últimos 15 anos, apenas 30% dos casos da doença foram diagnosticados, e os tratamentos com diálise, na fase final da doença cresceram à ordem de 8% ao ano. A oferta de rins por doador vivo ou falecido não faz frente à demanda pelo órgão vital e muitos pacientes renais vêm a óbito à espera do transplante.

“Eu sempre tive uma vida normal. Mas aos 25 anos de idade comecei a me sentir mal com certa frequência. Falta de ar e inchaço no corpo basicamente. Depois, veio o diagnóstico. Eu era hipertensa e havia perdido a função renal. Foi um choque para mim e para a minha família, mas eu não tinha nenhuma ideia do que era isso exatamente. Comecei o tratamento logo em seguida. Foram seis anos, de 2005 a 2011, frequentando as longas sessões na máquina de hemodiálise. Fiquei profundamente deprimida. O tratamento era muito agressivo, e por causa da hipertensão, passava muito mal durante as sessões. Precisei de muitas internações por conta disso. Minha saúde estava muito debilitada nessa época. Eu era jovem, bebia e fumava muito e isso prejudicava o tratamento. A princípio, não quis fazer a cirurgia de imediato. Não estava preparada para o transplante. Eu tinha medo de morrer. A convivência com os companheiros da hemodiálise e o apoio da minha família e dos médicos levaram-me a refletir melhor e a vencer o medo. Foi daí que parei de beber e fumar e comecei a fazer os exames preparatórios e a seguir à risca o tratamento. Esperei um ano e meio para fazer o transplante. Fui a selecionada primeiramente entre dez candidatos, e depois entre os três finalistas. Há dois anos, sou transplantada. Isso mudou completamente a minha vida. Tive complicações durante a cirurgia realizada do Hospital Santa Genoveva, em Goiânia, mas no final tudo deu certo e não houve rejeição. Ainda dependo de consultas e medicamentos, mas melhorou 90%. Hoje, sinto-me livre. Posso trabalhar e estudar, fazer as coisas que uma pessoa normal faz. Acho que tive sorte. Alguns companheiros da hemodiálise não tiveram a mesma sorte, ou porque já tinham idade muito avançada, ou porque não queriam fazer o transplante, continuam até hoje na hemodiálise. Outros simplesmente já morreram”. Quem afirma é a paciente renal transplantada Shirlene Ferreira de Moraes, de 32 anos.
Abuso
De acordo com o médico nefrologista Ciro Bruno Silveira Costa, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, em Goiás, nos últimos anos, a incidência de casos de doença renal crônica tem aumentado de maneira significativa no Brasil e no mundo. A explicação para isso está nas patologias associadas ao sedentarismo e aos hábitos alimentares inadequados, a exemplo do diabetes e da hipertensão. Outra causa importante é a litíase renal (pedra no rim) com ocorrência ou não de infecção urinária. Também pode ocorrer por nefrite, gota, exposição a substâncias tóxicas externas, e doenças autoimunes como o lúpus. Ainda segundo o médico nefrologista, atualmente, 60% a 70% dos pacientes renais crônicos tratam a doença por meio da terapia renal substitutiva (ou hemodiálise) e da diálise peritoneal (que utiliza um catéter introduzido na barriga para fazer a filtragem do sangue com eliminação das toxinas e do excesso de líquido acumulado). O restante deles é de transplantados renais. “Quando o paciente tem uma doença renal terminal, ou seja, quando ele perde o rim, o órgão precisa ser tratado ou substituído por um dos três tipos de tratamento, contudo ainda não existe cura definitiva para a doença, o que ocorre é um ganho na qualidade de vida e aumento da sobrevida do transplantado. As pessoas imaginam que a hipertensão e o diabetes são as únicas patologias associadas à doença, mas há muitos casos de pacientes que perderam o rim em razão do uso abusivo de anti-inflamatórios como Cataflan, Voltaren, Tandrilax etc. Eles são vendidos nas farmácias sem receita médica”, afirmou o médico nefrologista. Hábitos alimentares saudáveis, controle dos fatores de risco, como hábito de fumar, hipertensão e diabetes, uso orientado de medicamentos e tratamento médico assistido por um médico especialista (nefrologista) associados ao diagnóstico precoce da doença por meio de exames de rotina, a exemplo da creatina (no sangue) e do sumário de urina podem contribuir para o diagnóstico precoce da doença e do seu correto tratamento. Além da hipertensão arterial, outros importantes sintomas da doença são a anemia, a fraqueza e a falta de apetite, a retenção de líquido no corpo, inchaço, falta de ar, náuseas, vômito, confusão mental, e nas fases avançadas da doença, com a morte.
“A incidência e a prevalência de doentes crônicos renais são grandes. Apesar das campanhas, a captação de órgãos para transplantes ainda está muito aquém do necessário. O transplante é a melhor modalidade de tratamento, mas não é a cura definitiva da doença. Temos verificado um aumento do número de transplantados, mas em Goiás ainda se faz poucos transplantes. A maioria dos pacientes renais, algo em torno de 2.500 pacientes, realiza diálise e hemodiálise peritonial. E em Goiânia há três equipes de nefrologistas à disposição de quem precisar. Mas existem pacientes precisando fazer o tratamento e não encontram vagas na rede credenciada. A rede de prevenção do Sistema Único de Saúde (SUS) deveria oferecer consulta com nefrologista e exame de sangue e urina em todos os hospitais conveniados. Mas eles estão muito concentrados na Capital. Aqui, são 12. Catalão, Goianésia, Itumbiara, Jataí, Porangatu e Rio Verde contam com apenas um cada. Investimento em prevenção é muito importante e muito menos oneroso para os cofres públicos se comparados com os tratamentos”, avaliou o médico nefrologista.
Quatro longas horas
A Associação dos Pacientes Renais Crônicos e Transplantados do Vale do São Patrício, em Goianésia, a 198 km da Capital, começou a atender as demandas de pacientes de hemodiálise em novembro de 2006. Naquele ano, foram atendidos cerca de 130 pacientes, segundo a diretora e coordenadora da Associação Rim Viver, Neci Gomes da Silva. “Nós da associação fazemos um trabalho informativo com os doentes renais crônicos sobre os seus direitos e o acesso a assistências especiais, tratamentos, e até transplantes. Eles são em geral de baixa renda e não têm condições de se manter durante o longo tratamento que a doença exige. Por isso temos uma casa de apoio, atualmente com 60 leitos, e sobrevivemos do trabalho dos voluntários e de algumas doações como cestas básicas e consultas com psicólogos para o paciente e sua família. Funcionamos de segunda a sábado para atender toda a demanda. Tem paciente que sai de casa às 4h da manhã para começar a hemodiálise às 6h. As sessões na máquina de hemodiálise podem levar até quatro horas. É muito cansativo e sofrido para eles. Terminada a sessão de hemodiálise, eles seguem para a casa de apoio, almoçam e regressam para casa às 15h. Os pacientes vêm de fora, em geral, de cidades vizinhas do interior goiano. Mas há casos de gente até de outros Estados. Há outros 15 leitos para aqueles que precisam ficar em observação por um tempo mais longo”, comentou Ceci Gomes da Silva. Em 2010, a prefeitura do município doou um lote com 3.200 metros quadrados para a construção da sede própria da associação. Uma empresa doou R$ 120 mil em materiais de construção. A obra ainda não foi finalizada e a sede da casa de apoio permanece funcionando no antigo endereço. Ainda de acordo com ela, no Brasil, cerca de 100 mil pacientes encontram-se atualmente em tratamento de hemodiálise. Alguns deles receberão indicação para transplante, mas isso depende da oferta de doações de órgãos para transplante. “O tratamento tem melhorado a qualidade de vida do doente renal crônico, mas é preciso retirá-lo do ciclo da doença para que ele possa viver mais feliz”, avaliou a diretora da casa de apoio Rim Viver.
Fonte: DM – 15/10/2013
 

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