Manter qualidade é desafio para hospitais acreditados

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Operação por longo tempo sob rígidos padrões pode ser ainda mais desafiadora que obter a acreditação, analisam especialistas convidados pela Revista FH
Manter-se no topo costuma ser mais difícil que chegar até lá. Nos hospitais brasileiros, essa máxima também reproduz seus ecos. Pois, manter de forma sistemática os níveis de excelência nos procedimentos médico-hospitalares pode ser tão ou mais complicado que obter algum selo de acreditação de qualidade.

Apesar de ainda representar uma pequena parcela de 3% da rede brasileira, o número de hospitais acreditados é crescente, seguindo tendência de mercados internacionais e mais maduros. Com isso, cresce também o desafio de manter vivas as práticas com foco na segurança do paciente que foram desenhadas e implementadas durante o processo de acreditação da organização.
Afinal, acertar o mesmo alvo diversas vezes pode não ser uma questão unicamente relacionada à repetição exaustiva da atividade. No caso da saúde, isso está mais ligado ao aperfeiçoamento dos exercícios e a criação de novas metas e objetivos, como tentativa de manter as pessoas envolvidas em processo contínuo de evolução.
Para discutir o dia a dia dos hospitais após o processo de acreditação, a Revista FH convidou para debater o assunto, três representantes de instituições que se encontram em diferentes estágios de desenvolvimento no que diz respeito à qualidade da assistência.
Processos
Para o presidente do Hospital São Lucas, de Ribeirão Preto (SP), Pedro Palocci, após a obtenção da acreditação, é inevitável que o corpo clínico adentre uma fase de acomodação. “A questão do marasmo depois da acreditação é preocupante”, afirmou o executivo, que liderou o processo de acreditação na entidade, que foi a primeira do interior de São Paulo a obter o selo ONA e que hoje se prepara para sua primeira acreditação internacional.
Nos três hospitais da Rede São Camilo, em São Paulo, as acreditações internacionais JCI ou Canadense já são realidade há alguns anos. O diretor-adjunto de práticas assistenciais, Marcelo Sartori, contou que para evitar a “síndrome pós-acreditação” a entidade tenta manter a continuidade dos processos criados à época das auditorias dos órgãos acreditadores. “O hospital tem que estar todos os dias pronto. É importante a cultura da segurança e da qualidade”, declarou.
O superintendente médico do sistema Mãe de Deus e do Hospital Mãe de Deus (HMD), do Rio Grande do Sul, Fábio Leite Gastal, acredita que o importante é criar novas metas e desafios para que não se caia na rotina. Gastal, que foi diretor da ONA e conhece bem os caminhos e armadilhas da acreditação hospitalar, dá dicas de como manter a estrutura funcionando depois que a instituição é agraciada com o selo de qualidade. “Criar a cultura de melhoria e educação continuada, focar no desenvolvimento da força de trabalho e criar indicadores de desempenho são as principais saídas”, indicou ele, que está à frente da rede filantrópica que possui a JCI.
A boa manutenção dos padrões de qualidade dos hospitais passam necessariamente pela adoção de ferramentas de gestão. Os três representantes afirmaram que seus hospitais utilizam desde o Balanced Scorecard (BSC), que é uma metodologia de medição e gestão de desempenho, como práticas de Business Intelligence (BI) e até ferramentas mais avançadas como a gestão clínica por Diagnosis Related Group (DRG).
Gastal, do HMD, contou que o hospital começou a usar o BSC em 2006, depois implantou um sistema informatizado em 2008, que se consolidou na cultura da organização em 2011. “No desdobramento do BSC, estamos no terceiro ciclo no processo de avaliação da cultura de segurança. Nesta, utilizamos a matriz do Institute for Healthcare Improvement (IHI) e agora estamos implantando o sistema de Diagnósticos de Grupos Relacionados (DRG), que também permitirá uma avaliação das equipes médicas”, explicou, acrescentando que na sua opinião o Brasil está atrasado na implementação de DRGs. O especialista assinala ainda que as duas grandes medidas a serem apuradas pelo hospital têm de ser qualidade assistencial e indicadores econômico-financeiros.
Sartori, da Rede São Camilo, afirmou que o BSC é utilizado na organização desde 2008. “Os indicadores mais estratégicos são acompanhados pela alta direção. Também geramos indicadores assistenciais com foco na segurança do paciente, e alguns que são olhados pela gerência de qualidade”, disse. Para ele, o grande desafio é a avaliação médico-assistencial. A dificuldade está em encontrar um modelo no qual a assistência possa ser avaliada e o paciente atendido consiga se enxergar na avaliação feita.
Pessoas
Palocci, do Hospital São Lucas, levantou a problemática de como envolver o corpo clínico aberto de 1400 médicos do hospital com os processos de gestão. “Temos que envolvê-los e lá na ponta tem que ter um benefício para eles”, afirmou, referindo-se a incentivos financeiros como uma saída para aumentar a adesão dos colaboradores. Segundo o presidente da rede hospitalar do interior de São Paulo, protocolos de gestão são montados a quatro mãos com os médicos. “Criamos um conceito de ampla autonomia administrativa para as unidades da rede”. Outra opção da entidade foi criar uma diretoria médico-assistencial que trabalha continuamente na formatação de protocolos de processos. Palocci acredita que as DRGs são a única saída para a gestão clínica.
Além das práticas de gestão para criação de indicadores que permitam a otimização da operação dos hospitais, outro ponto crucial no período pós-acreditação é o esforço educativo permanente oferecido pela instituição ao seu quadro de funcionários. É oferecendo uma perspectiva de evolução técnica para seu colaborador que a organização tende a ter mais chances de conseguir diminuir um efeito inerente ao mercado de trabalho do mundo moderno: a rotatividade de profissionais.
Sartori afirma que é sempre um problema situar as médias lideranças com relação às práticas da Rede São Camilo quando ocorre alta rotatividade de cargos. “Sempre há impacto quando há mudança de pessoas. Mas o fundamental é garantir o processo. Quando alguém sai e altera-se muito o processo, é de se preocupar”, alertou.
No Hospital São Lucas, o custo anual com educação continuada subiu de 0,1% para 0,5% do orçamento, segundo Pedro Palocci. Ele afirmou que a organização investe há quatro anos na formação do corpo clínico para tentar reduzir o turn-over que o presidente do hospital classifica como “muito alto”.
No Sul, no HMD, a fidelização do corpo clínico está em pauta. A estratégia, segundo Gastal, é não perder o corpo de enfermagem, que atualmente é o que apresenta a maior escassez de técnicos no mercado. O valor gasto pela rede com treinamento é de R$ 2 milhões por ano, o que representa 0,8% do custo global da entidade.
Resultados
Os resultados da implementação de boas práticas de gestão e de educação continuada após a obtenção de acreditações podem fazer as instituições vivenciarem bons períodos de crescimento, segundos os debatedores.
No caso do Hospital Mãe de Deus, o salto no número de leitos foi de 200 quando teve início o processo de gestão e deve chegar a cerca de 500 no ano que vem. Sartori, do São Camilo, diz que o ganho assistencial é enorme. “Hoje conseguimos mensurar esses ganhos. O crescimento da rede também é sinal disso”, afirmou.
No Hospital São Lucas, de 2001 a 2006, o presidente Palocci disse que chegou a ter “quase a certeza que havia dado um tiro no pé”, após ter feito a acreditação ONA. “Todo mundo falava que tinha ficado mais caro. A primeira percepção foi de aumento de custos”, completou. Contudo, segundo ele, após o aprimoramento dos indicadores de resultados e das práticas de gestão, conclui-se que nos últimos dois anos o aumento no faturamento da rede subiu 32%. “O custo do paciente ao longo do tempo passa a ser melhor entendido”, ressaltou.
Outro ponto de comum acordo dos debatedores é a necessidade de se alterar o modelo de remuneração médica que se pratica no Brasil. Gastal acredita que o modelo “fee for service”, predominante no Brasil, está completamente superado no mundo. “Hoje, gastamos de 15% a 20% do PIB da Saúde em custo de transação por causa do sistema, custo de auditoria, controle burocrático. São de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões por ano. Não precisa botar dinheiro novo na saúde. É só mudar o modelo”, opinou.
Fonte: Saúde Web – 09/08/2013

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